Operação tira das ruas 11 mil camelôs. E muda a paisagem no Brás em SP

Cem anos após a chegada dos primeiros ambulantes à Rua 25 de Março, os camelôs estão sumindo do centro de São Paulo. E não é por vontade própria. A explicação para essa debandada está ligada à Operação Delegada – parceria entre a Prefeitura e a Polícia Militar que colocou 6 mil policiais para combater o comércio ilegal em suas horas de folga.

Desde 2006, a administração do prefeito Gilberto Kassab (DEM) vem fechando o cerco contra os ambulantes clandestinos, ora com ações urbanísticas (a reforma do Largo da Concórdia é o melhor exemplo), ora colocando a Guarda Civil Metropolitana (GCM) para fiscalizá-los. Mas foi após o convênio com a PM, há 14 meses, que essa política se intensificou. Dos 15 mil camelôs retirados das ruas nos últimos 5 anos, estima-se que 11 mil tenham saído por pressão das blitze da Operação Delegada.

A retirada dos ambulantes mudou a cara de antigos redutos do comércio de rua paulistano. Ruas, praças e viadutos que antes viviam tomados por barraquinhas de ponta a ponta foram desocupados. Sem a aglomeração que favorecia a ação dos bandidos, até os índices de criminalidade caíram nesses endereços – a Rua 25 de Março e imediações registram hoje 61% menos roubos do que antes da Operação Delegada, segundo a PM.

Embora projetos semelhantes já existissem dentro da PM, o modelo de parceria implementado foi arquitetado pessoalmente por Kassab. Nos bastidores, comenta-se que a Operação Delegada terá, ao final desta gestão, a mesma dimensão galgada pelo Projeto Cidade Limpa (lei que baniu os anúncios da paisagem de São Paulo) na primeira administração de Kassab.

Os investimentos na parceria comprovam isso. Em 2010, a Prefeitura desembolsou cerca de R$ 50 milhões para custear o “bico oficial”. A previsão para este ano é dobrar o repasse, chegando a R$ 110 milhões. Hoje, os PMs estão em 21 pontos de comércio da cidade e no Jardim Romano, no extremo leste de São Paulo, onde o objetivo é conter invasões em zonas de proteção ambiental. Parcerias em outras áreas já estão em estudo.

Acuados. Diante da ofensiva, restaram aos ambulantes duas alternativas: perambular pelas ruas tentando vender suas mercadorias – alguns até retomaram o velho hábito da venda porta a porta nos bairros, como a categoria trabalhava na década de 1960 – ou partir para o mercado formal. Há também quem fale em retornar à antiga profissão.





“Fugir da polícia todo dia faz você se sentir um bandido”, desabafa Reginaldo Chagas, de 56 anos. “Cansei, vou alugar um alvará para ser taxista de novo.” Ele foi expulso do Largo da Concórdia, no Brás, em abril de 2006. Como outros ambulantes que tiveram a licença cassada, Chagas passou a vender brinquedos e jogos para videogame na Feirinha da Madrugada, o mercado clandestino montado diariamente nas ruas no bairro.

O coordenador do Sindicato dos Camelôs Independentes, Leandro Machado, acusa a Prefeitura de querer “exterminar” a categoria. “Não somos contra a Operação Delegada. É claro que não existe espaço para todo mundo nas ruas. Mas o que a Prefeitura quer é exterminar toda a categoria. Estamos sufocados. A promessa era de que ninguém mexeria na feirinha”, reclama.

Sem uma liderança e com a polícia no encalço, os camelôs seguem uma rotina errante. Nenhum consegue ficar parado mais de 15 minutos num mesmo lugar. O coreano Sung Wook, de 52 anos, corre de um lado para o outro na tentativa de vender yakissoba em uma carriola de ferro. Ele começa na Praça da República, no início da tarde, e termina na 25 de Março, quatro horas depois. Sua mulher vai na frente e avisa pelo rádio se o caminho está livre, sem PMs.

“O jeito é ficar o tempo inteiro correndo. Dá para vender no máximo dez pratos em cada lugar”, conta Wook, que por 16 anos manteve uma barraca fixa ao lado da Galeria Olido, no centro. Há 3 anos, ele diz que tirava R$ 3 mil mensais. Hoje, consegue fazer menos de R$ 1.200. “A Prefeitura diz que só é permitido cachorro-quente na rua. E com licença”, lamenta.

Urbanismo. Do ponto de vista urbanístico, a retirada dos ambulantes é vista como positiva. “Melhora o uso do espaço público e permite às pessoas observar a cidade”, destaca o arquiteto Fábio Mariz Gonçalves, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Desde que as ações policiais não sejam truculentas e que os camelôs não fiquem desamparados pelo poder público, vejo esse projeto como positivo.”

Fonte: O Estado de S. Paulo